A dica
de hoje vai pro livro: "O Arroz de Palma", de Francisco Azevedo (R$
45 reais, Editora Record). “Uma história
de família como um almoço de domingo”, diz o autor.
O livro é
narrado por Antônio e é
impressionante como Francisco Azevedo consegue dar vida ao personagem, ao ponto
de você ter certeza que ele realmente existiu e escreveu cada linha!
Aliás, eu queria chegar aos 88 anos como Antônio (personagem principal do
livro), uma pessoa observadora, romântica (e não apenas no sentido
amoroso, e sim na capacidade de romancear cada situação) e que sabe se auto analisar de um jeito que nem pessoas com
décadas de terapia conseguem.
Achei bem
engraçado que, mesmo
misturando elementos quase fantasiosos (como o arroz de 100 anos que não se estraga e faz milagres pela
família), tudo o que se passa é muito
verdadeiro, muito real, coisas que acontecem com todo mundo.
Não importa se
a sua família é numerosa como a de Antônio e não importa se você tem 80 anos ou 20, é impossível não se
identificar com cada linha. Uma das frases mais repetidas nas
368 páginas é que “família é um prato difícil de se preparar”, e cada argumento
dado para justificar essa citação é válido.
Aproveitando o
dia, que por sinal está maravilhoso, diria que esse livro é tão gostoso quanto
um dia de domingo!
E tem domingo melhor do que domingo em família?!
Essa é a minha!!!
Trecho do livro:
Velho sente saudade
de mãe e de pai. Tudo faz tanto tempo! Velho quer colo, quer colher na boca
vindo de longe com motor de aviãozinho, quer - banho tomado - que lhe ponham na
cama, lhe aconcheguem com lençol limpo e travesseiro macio. Uma história conhecida,
uma cantiga de ninar, um beijo de boa-noite. A porta do quarto um pouquinho
aberta, com a luz do corredor acesa - o ponto de referência é sempre bom...
Preciso me
concentrar. É essencial. Por quê? Ora, que pergunta! Família é prato difícil de
preparar. São muitos ingredientes. Reunir todos é um problema - principalmente
no Natal e no Ano-Novo. Pouco importa a qualidade da panela, fazer uma família
exige coragem, devoção e paciência. Não é para qualquer um. Os truques, os
segredos, o imprevisível. Ás vezes, dá até vontade de desistir...
E você? É, você
mesmo, que me lê os pensamentos e veio aqui me fazer companhia. Como saiu no
álbum de retratos? O mais prático e objetivo? A mais sentimental? A mais
prestativa? O que nunca quis nada com o trabalho? Seja quem for, não fique aí
reclamando do gênero ou do grau comparativo. Reúna essas tantas afinidades e antipatias
que fazem parte da sua vida. Não há pressa. Eu espero. Já estão aí? Todas?
Ótimo. Agora, ponha o avental, pegue a tábua, a faca mais afiada e tome alguns
cuidados. Logo, logo, você também estará cheirando a alho e a cebola. Não se
envergonhe se chorar. Família é prato que emociona. E a gente chora mesmo. De
alegria, de raiva ou de tristeza.
...
O pior é que ainda
tem gente que acredita na receita da família perfeita. Bobagem. Tudo ilusão.
Não existe "Família à Oswaldo Aranha", "Família à Rossini", "Família
à Belle Meunière" ou "Família
ao Molho Pardo" - em que o sangue é fundamental para o preparo da
iguaria. Família é afinidade, é "À Moda da Casa". E cada casa gosta
de preparar a família a seu jeito.
Há famílias doces.
Outras, meio amargas. Outras, apimentadíssimas. Há também as que não têm gosto
de nada - seriam assim um tipo de "Família Diet", que você suporta só
para manter a linha. Seja como for, família é prato que deve ser servido sempre
quente, quentíssimo. Uma família fria é insuportável, impossível de se engolir.
...
Enfim, receita de
família não se copia, se inventa. A gente vai aprendendo aos poucos,
improvisando e transmitindo o que sabe no dia-a-dia. A gente cata um registro
ali, de alguém que sabe e conta, e outro aqui, que ficou no pedaço de papel.
Muita coisa se perde na lembrança. Principalmente, na cabeça
de um velho já meio caduco como eu. O que este veterano cozinheiro pode dizer é
que, por mais sem graça, por pior que seja o paladar, família é prato que você
tem que experimentar e comer. Se puder saborear, saboreie. Não ligue para
etiquetas. Passe o pão naquele molhinho que ficou na porcelana, na louça, no
alumínio ou no barro. Aproveite ao máximo. Família é prato que, quando se
acaba, nunca mais se repete.
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